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Ex-CEO da Americanas diz que foi “sacrificado” para proteger poderosos

Em carta à CPI da Câmara, Miguel Gutierrez afirma que acionistas de referência da companhia participavam ativamente da gestão da empresa


Estava tudo encaminhado para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investiga a caso da Americanas terminar sem alarte e sem apontar culpados, apenas indicando que, desde o início, estava claro que as fraudes na rede varejista não eram uma “mera desconformidade nos balanços da companhia” e indícios apontam para o envolvimento de ex-diretores e ex-executivos.

Nesta segunda-feira (4/9), porém, foi divulgada uma carta enviada aos integrantes da CPI pelo ex-CEO da varejista, Miguel Gutierrez. No texto, ele diz que os acionistas de referência da companhia, o trio Jorge Paulo Lemann, Alberto Sicupira e Marcel Telles, participavam ativamente da gestão financeira da empresa. “Me tornei conveniente ‘bode expiatório’ para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”, afirma Gutierrez.

Gutierrez está na Espanha, onde afirma passar por tratamento médico, mas pediu para ser ouvido por videoconferência na CPI. No relato de 17 páginas, Gutierrez diz que, após a fusão da Americanas com a B2W, controladora do Submarino, teve papel “mais estratégico” e não atuava em todas as áreas, que tinham departamentos autônomos. “Como é notório, e como consta inclusive do famoso livro que conta a sua trajetória empresarial, o 3G [acionistas de referência] participa ativamente da gestão das empresas de seu portfólio e controla rigorosamente suas finanças”.

Os controladores, diz Gutierrez, estavam no conselho de administração e no comitê financeiro, pessoalmente ou por meio de pessoas diretamente ligadas a eles, inclusive parentes. Além disso, também participavam das reuniões por meio da sua holding LTS, “cujos funcionários, ainda que não tivessem cargos oficiais na companhia, participavam de sua gestão e de seus acompanhamentos”.

Desviar o foco


Gutierrez não admite na carta uma fraude contábil na empresa, acusação feita pelo atual CEO da companhia, Leonardo Coelho, à antiga diretoria. Diz que “dedicou 30 anos à empresa” e é hoje o maior acionista pessoa física da companhia, que perdeu bilhões em valor de mercado com a crise. Afirma que nunca teve conhecimento ou tolerou adulteração no balanço contábil e acusa o atual CEO de “desviar o foco da investigação [da CPI] para longe dos acionistas controladores”, “mesmo sabendo que as acusações [contra ele] eram mentirosas”.

Os controladores tinham “forte influência e controle” sobre o departamento de contabilidade, segundo ele. “Membros do conselho de administração, do comitê financeiro e do comitê de auditoria, bem como pessoas ligadas aos acionistas controladores (funcionários da LTS, por exemplo) interagiam diretamente e de forma frequente com o diretor-financeiro, por exemplo”, afirmou.

Gutierrez diz na carta que “nem a cultura agressiva, nem a presença e a ingerência dos controladores se alteraram” após a fusão da Lojas Americanas com a B2W, que resultou na diminuição percentual da participação acionária deles, e que foi comunicado por Carlos Alberto Sicupira em 2019 que seria desligado da empresa e que preparasse o processo de sucessão.

Substituição do CEO


A consultoria Spencer Stewart foi contratada em abril de 2022 para escolher seu substituto, mas em julho, segundo o ex-CEO, enquanto o processo ainda estava em curso, foi avisado por Sicupira de que Sergio Rial, então executivo do Santander, tinha sido escolhido. Meses depois, ele diz que descobriu pelo diretor de recursos humanos que a contratação tinha ocorrido ainda antes, em maio, num contrato que ficou “sob sigilo”. Rial ficou apenas nove dias na empresa, em janeiro de 2023, e pediu demissão afirmando que encontrou uma grave inconsistência contábil que escondia um rombo de R$ 20 bilhões nas contas da empresa.

Ele narrou à CPI que só teve conhecimento de problemas às vésperas de assumir o cargo e sustentou que os acionistas de referência não tinham conhecimento. Gutierrez acusa Rial de mentir sobre isso. Disse que ele já atuava, desde agosto, do dia a dia da empresa, participava de um grupo de whatsapp com diretores sem que ele estivesse presente, assim como de reuniões em que o então CEO não era chamado.

“Com os demais diretores, o sr. Rial também realizou uma série de reuniões, das quais eu, de saída da companhia, sequer era convidado e das quais às vezes nem tomava conhecimento. Naquele período, ele tinha carta branca e se comunicava diretamente com executivos e funcionários”, afirmou Gutierrez.

“Como se percebe, então, ao contrário do que tentou induzir a acreditar o Sr. Sergio Rial em seu depoimento, o conselho de administração, seja diretamente, seja por meio de seus comitês, participava e, portanto, tinha responsabilidades atinentes às questões financeira e contábil da companhia. Tanto os membros do comitê de auditoria como os do comitê financeiro eram escolhidos pelos acionistas controladores”, afirmou ainda.

Acusações contra comitê


Gutierrez acusou ainda o comitê independente de auditoria contratado pela empresa de estar a serviço dos acionistas de referência (Lemann, Sicupira e Telles). Um dos escritórios contratados, o BMAAdvogados, que atua em conjunto com o Vilardi Advogados, “é, notoriamente, o principal escritório que representa de forma frequente, e há décadas, os acionistas controladores da companhia”.

Ele disse que tentou ser ouvido três vezes, sem sucesso, com o argumento de que a investigação ainda estava no início. “Os subscritores do relatório não têm a independência necessária para realizar qualquer análise sobre responsabilidades pelo que ocorreu na Americanas, uma vez que eles certamente estariam impedidos de acusar seus clientes”, afirma o ex-CEO.

Miguel Gutierrez defendeu que não sabia de “problema contábil” na companhia, mas que a empresa enfrentava uma gravíssima dificuldade financeira e que precisaria de novo aporte de seus acionistas em 2023 para se manter operando. Além disso, culpa um ataque cibernético em fevereiro de 2022 e o aumento dos juros na economia por uma queda das vendas em todo o primeiro semestre daquele ano. A empresa saiu de um caixa líquido de R$ 3,5 bilhões no terceiro trimestre de 2021 para uma dívida líquida de R$ 5,3 bilhões em setembro de 2022, “a maior de sua história”.

Na carta enviada à CPI da Câmara, o ex-diretor afirma que a B2W, controladora do Submarino, precisou de cinco ampliações de capital entre 2006 e 2020 porque, assim como todas as empresas do segmento, “sempre foi uma grande consumidora de caixa”. Ele volta a acusar o conselho de administração de saber de todo esse cenário e de participar de quase todas as decisões que levaram à queima do caixa. “Todos esses indicadores não deixavam dúvida, então, sobre a iminente necessidade de novos aportes, para assegurar as atividades da companhia já em 2023”, disse.

Gutierrez afirma que o problema financeiro “era plenamente conhecido” pelo conselho de administração, pelo comitê financeiro e pelos acionistas controladores, “bem como pelo Sr. Sergio Rial, a despeito de ele ter negado esse fato em seu depoimento à CPI”, e que ouviu de Rial que os acionistas não tinham interesse em aportar novos recursos e nem buscar novos investidores porque isso “poderia causar uma diluição relevante de sua participação”.

Em relação à carta de Miguel Gutierrez, a Americanas divulgou a seguinte nota:

“A Americanas refuta veementemente as argumentações apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na véspera da apresentação do relatório final. A companhia reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à Comissão no dia 13 de junho, que demonstram a sua participação na fraude.
“A Americanas reitera que o relatório apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito em 13/06, baseado em documentos levantados pelo Comitê de Investigação Independente, além de documentos complementares identificados pela Administração e seus assessores jurídicos, indica que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas, capitaneada pelo senhor Miguel Gutierrez.
“A Americanas confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, reforça que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos.”

Com informações do Metrópoles - Carlos Rydlewski


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